Monteiro Lobato trouxe, por Emília, seu aspecto questionador, malcriado, debochado e independente. Por não possuir pai nem mãe, a boneca vai à luta. Muitas crianças, por contingência ou por fatores psicológicos ligados a independência emocional, se identificam com a liberdade da boneca.
A personagem, ao mesmo tempo em que é representação de uma identidade cultural brasileira, em movimento constante, é também uma personagem aberta, que possibilita várias interpretações e por isso muitas outras versões ilustradas, ou imaginadas pelo leitor. Personagem complexa, redonda, Emília esteve repleta de questionamentos e atitudes irreverentes, satíricas e críticas. Apesar de boneca, ela é a figura do Sítio que carrega maior humanidade. Para contrapor com a boneca e, dessa forma, destacá-la, Lobato amparou-se em personagens secundárias, planas, estereotipadas, que sustentaram suas densas falas, estas, representadas pelas atitudes de seus desenhos.
A visualidade da boneca foi sendo criada tanto pelo texto de Lobato, quanto pelas ilustrações que o acompanhavam. E cada ilustrador escolhido teve uma importância para ajudar a construir um imaginário de Emília. Os elementos visuais contribuíram para que se fixassem conteúdos verbais, pois a imagem toca sensivelmente o pequeno leitor.
A tímida bruxinha de pano se transformou em figura de extrema expressividade, com atitudes e temperamento em transformações, até ser representada por uma expressão visual assustada e desprotegida, compatível a um momento de cristalização de Lobato. Após essa cristalização e a obra conclusa do escritor, essa personagem foi novamente se construindo ludicamente, entre menina e boneca, aproximando-se cada vez mais do folclore brasileiro, dos mamulengos, dos retalhos, do colorido exuberante. E o seu riso sarcástico determinou uma personagem com um frescor poético, também representado pela imagem. Com isso, Emília foi se aproximando da essência da obra de Lobato, que carrega folclore, caricatura e ludicidade. Esse fenômeno se deve ao fato de que, certas convenções gráficas de Emília foram geradas pelo texto escrito e por imagens apresentadas ao público. Podemos entender que as ilustrações produzidas para representar Emília, de alguma maneira, ficaram na memória do ilustrador da geração seguinte, carregando mensagens visuais. As ilustrações potencializaram o caráter satírico do texto de Lobato, assim, as Emílias ilustradas atribuíram qualidades ao texto verbal e contribuíram para apresentar as mensagens sugeridas pelo escritor.
Emília foi representada nas histórias não apenas um contraponto de figura não-humana, mas com equivalente dimensão de Pinóquio: subvertendo, sugerindo abertura nas normas rígidas morais e imaginárias. Foi através dela que o escritor apresentou novos desafios à leitura, com idéias geniais, neologismos e até mentiras visivelmente descabidas. Moradora do Sítio do Picapau Amarelo, possível lugar do interior do Brasil, Emília atua, muitas vezes, como uma criança, que questiona, que erra, pergunta e tenta descobrir através da fantasia. Dessa maneira, a personagem promove um despertar do leitor para um Brasil da magia dos mamulengos, do folclore, da fada, do sonho e da consciência crítica.
quarta-feira, 24 de março de 2010
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2 comentários:
Renata, você tem caligrafia própria, encantadora. Pronto, ganhaste mais um leitor.
=)
que bom favilla! seja bem vindo!!!
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